Tristeza

Viver é um desafio. Para mim, para você, para todos. Para o portador de uma doença chamada depressão, a dor e a tristeza são companheiros constantes, diários, rotineiros. Não sei quem sou e quem são eles. Em que ponto acaba a sensibilidade extrema da Maria Carolina e começa a dor depressiva. Somos indissociáveis.

Relutei muito a escrever em público a respeito, mas a ideia sempre me rondou. Porque sei que do que mais precisamos é da cura. E, se ela não chega, ajuda muito lidar com pessoas que tenham o mínimo de consciência sobre o que se passa dentro de nós. Não é frescura, não é loucura, não é exagero. Aliás, exagerada é a nossa força para lutar e sobreviver.

Tenho acompanhado com certa felicidade (sim, depressivos sentem alegria, felicidade, contentamento – também) a evolução da nossa sociedade, dos meios de comunicação jornalísticos e não jornalísticos, e até da própria medicina na maneira como lida com os pacientes de saúde mental. E a depressão é só mais uma, entre muitas doenças mentais. O que não torna o depressivo um maluco, doido, louco, inconsciente; embora a dor da alma, como aprendi a diagnosticar espiritualmente o que sinto, seja severa e enlouquecedora, muitas vezes. Manter a sanidade diante dela é desafiador, de fato.

Na verdade, acho que procrastinei. Sempre pensando em quem está do outro lado. Para o bem e para o mal. Porém a possibilidade de apoiar alguém a lidar com a doença, seja a própria ou de alguém querido, me motiva a me expor. Assim como falo de outras questões que não são exatamente motivo de orgulho, mas que hoje sei que não são exclusivas. E, ainda que sejam, a ideia de ajudar pessoas a lidar com as suas “exclusividades” me inspira a seguir com a insana vontade de escrever para desconhecidos. Para ninguém, para quem quer que seja.

Vergonha (felizmente!) nunca foi algo que eu sentisse, realmente. Não tenho vergonha em assumir que tenho depressão. Eu trato, vou ao médico, tomo os medicamentos prescritos, faço terapia, participo de tudo o que me aparece que percebo que possa me ajudar a viver melhor. Escrever sem dúvida é das melhores ferramentas que já conheci, e das que uso há mais tempo. E está intimamente ligada a outra atividade que me ajuda muito: solidariedade. Voluntariado, altruísmo. Olhar para o outro e estender a mão, como for. E, sinceramente, vejo a escrita e a exposição pessoal assim, ainda bem.

Facilitado pelas tecnologias de comunicação, pela democratização do acesso à internet e por abertura de mentes como a minha, a sua e tantas outras, antes blindadas (os maiores preconceitos de que sou vítima são os meus), o compartilhamento de experiências pessoais, seja em redes sociais, em salas de espera nos consultórios ou na fila do pão têm salvado vidas. E por isso sou entusiasta deste movimento.

Mas nem sempre foi assim. Houve o tempo sombrio da ignorância, do desconhecimento, do não reconhecimento. De não aceitar ajuda, não saber do que sofria, não buscar apoio profissional nem falar abertamente com ninguém. Se ainda não estou curada, como posso achar que estou melhor? Não só acho, tenho certeza absoluta.

Só eu sei os sintomas dos quais me livrei, além dos óbvios. Estou chegando ao fim deste texto (concluir todos os que escrevo é uma luta interna, porque a maior parte de mim quer continuar a escrever, mais, sempre, e a outra, coitada, insiste em me lembrar de que tenho outros compromissos – textuais, inclusive) sem qualquer lágrima nos olhos. Por dentro, choro. Estou triste, desanimada, frustrada.

Tenho plena consciência dos diversos motivos que tenho para agradecer. e os cultivo diariamente; mas não tenho controle. Afinal, ninguém, em sã consciência ou não, escolheria sofrer tendo a opção de ser feliz, alegre e animado, sem problemas, né?

Se ainda acha tudo isso uma grande bobagem, conversa de quem quer chamar atenção, aí temos outras alternativas: religião, compaixão, ou quem sabe até um bom médico psiquiatra ou um psicólogo especializado em egoísmo.

Repense, sempre é tempo! Seja feliz. E ajude outra pessoa a ser também ; )

Há muito a ser dito – e vencido

7 de março: véspera do Dia Internacional da Mulher. Por que pensamos na data com tanta antecedência? Porque, muito mais que um dia de celebração e festa, para nós, mulheres, é dia de luta. Assim como todos os demais dias do ano.

Listar nossas agruras diárias seria impossível. Afinal, cada uma de nós sabe o fardo de ser como é. Mas todas nós somos a melhor versão de si mesmas, não podemos esquecer. A mulher idealizada na capa da revista, na foto em destaque no site, protagonizando a novela da TV não é apenas inatingível: é irreal, pois que não existe.

É fantasia, ilusão, um protótipo de sonhos e idealizações alheias. Não as minhas, as suas, as nossas. Mas aquelas que nos impuseram séculos – milhares de anos, aliás – atrás e que ainda hoje se escondem sob um manto hipócrita de igualdade demagógica que de fato nunca existiu.

Muitas morreram por nossos atuais “direitos”, que nunca exercemos de maneira plena. Somos violentadas e mortas diariamente para manter suas fachadas. Nunca fomos livres de verdade. Nem para sentar como quisermos (lembro bem da bronca homérica que levei da família materna pela minha falta de modos quando criança, há muuuuuitos anos), nem para nos vestir como desejarmos (quem de nós não escolhe a roupa de acordo com o nível de segurança do trajeto e destino?), muito menos para ser quem somos.

Mulheres fortes e inteligentes, que ousam ter opiniões e expressá-las, são negligenciadas, excluídas. Forçadas a permanecer no limbo dos espaços de decisão da sociedade. Vejamos nosso Congresso Nacional. Temos uma presidente (ou presidenta) mulher, e aí? Quais políticas públicas femininas avançaram em seus mandatos? Quem é maioria nas votações? Quem escolheu legislar sobre aborto, relacionamentos e outros tantos temas que nos dizem respeito, afetando diretamente nossa saúde e nossos corpos?

Quem aqui é de fato livre? O preço para tanto continua alto, e ousar seguir nesta vida de aventuras, de mulher que trabalha, estuda, escreve, cuida da família, do lar e de si mesma, é arriscado. Para a saúde, para a sanidade e até mesmo para a nossa integridade física. Mas insistimos em perseverar. E queremos mais. Não vamos desistir.

A todos os homens que reconhecem o valor de uma mulher e as respeitam em seu cotidiano, meus parabéns. Vocês são exemplos de que nossa espécie pode evoluir, embora em minoria. A vocês que acham que o melhor que podem fazer neste 8 de março é dar rosas à companheira… Reflita, enquanto há tempo. Ela merece bem mais, e perceber isso será bom para você.

Amor incondicional

Acordei com o toque do System Of A Down às cinco. Consegui levantar, vitória! Fui ao banheiro, bebi água, tomei remédios. Fui meditar. Porque só assim para meu dia começar melhor e eu suportar com serenidade o que está por vir. Alonguei, fiz uns (poucos) exercícios e segui minha rotina doméstica: cozinha, mesa, louça, café da manhã. Roupas na máquina. Oração (!).

5h45: Acordar a filha. Não levanta, mal reage. Dou mais alguns minutos de trégua (estrategicamente calculados). Continuo os afazeres. Volto a chamá-la. Ela responde com o princípio de um espreguiçar preguiçoso. Sei que é o prenúncio de que levantará. Sigo nas tarefas do lar e atribuições maternas. Ela começa a se vestir e percebe que terá de ir de calça jeans. Não encontra o short da escola. Mobiliza a casa: todos à procura do short do uniforme,  calça jeans não pode.

Short encontrado, num local onde ela afirmava já ter procurado. Antes, temia não poder entrar sem o uniforme completo. Agora, afirma estar com frio e não quer mais tirar a calça. Afirmo que terá de ir com o short. Sei que frio não é algo que sinta por muito tempo,logo irá despertar e suar. No clima do Rio,mesmo em dias nublados até eu consigo suar. Fica com raiva. Pega o ferro de passar porque acha o short amassado. Com receio de que se queime com o ferro na mão já ao começar do dia, sonolenta, pego para mim.

A tábua, coberta de material escolar – e roupas a serem passadas, confesso –, precisa ser esvaziada. Em parte, ao menos. Coloco um caderno sobre a cama sem cuidado. Pronto: bate os pés, joga as coisas com força, faz barulhos desnecessários. Chamo atenção, lembro que tem pessoas dormindo. Mais raiva. Mal-estar. Pré-adolescência, penso. Seja paciente. A mochila, que sugeri que fosse arrumada ontem à noite, só começa a ser arrumada a gora, depois das seis da manhã. Deve ser a sede de adrenalina tomando conta.

Mas e o café?! Separo uma fruta e um biscoito para a merenda o lanche. Não gosta do biscoito (eu sabia).Troco por um que gosta. Saímos. Já na porta do elevador, o primeiro sinal de paz: abre a porta para mim. Na escada, oferece ajuda. Na calçada, inicia o diálogo:

– Eu amo você.

– Eu também te amo.

– Desculpa.

– Por quê?

– Por tudo.

Eu desculpo. Eu converso, eu ouço, eu explico, eu suspiro, respiro fundo, conto o infinito. Eu choro, eu sofro, eu canto, eu adoro. Compreendo, afago e dou bronca. Reclamo, desabafo, lembro, instruo, oriento. Amo incondicionalmente.

Mãe.